quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um reino sem rei nem roque


O caso da clínica privada I-QMed, de Lagoa, fechada para obras pelo próprio proprietário depois de doentes ali operados serem internados em hospitais públicos com risco de cegueira, não será o único. O médico responsável pelas cirurgias já tinha queixa na Ordem dos Médicos (OM) em 2004 por problema semelhante. Perante esta triste realidade ficou-se a saber que nem a Entidade Reguladora da Saúde/ ERS, responsável pela fiscalização das clínicas privadas, sabia da existência desta clínica e nem a OM tem meios para desencadear as diligências necessárias a fim de apurar responsabilidades pelos eventuais erros médicos.

Na situação da clínica privada I-QMed, com sede na Holanda, que até tinha site na net e contratos com entidades oficiais e particulares e existia pelo menos há sete anos, parece que haverá mais, aliás, muitas mais, se fizermos fé nas palavras do médico Fernando Nobre, candidato à Presidência da República. Aquela clínica algarvia dedicava a sua actividade "nas áreas de Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Psicologia e beleza". Uma situação mais que visível! Contudo, o presidente da ERS tem o desplante de dizer que "não tinha conhecimento sequer da existência dessa entidade", a qual, não se encontrando "registada" e, portanto, não “existindo”, não podia ser fiscalizada. O quer dizer em português corrente que estas clínicas, ou melhor, os seus proprietários podem contar com toda a impunidade. Aliando ao facto da desfaçatez do médico que está disposto a indemnizar os doentes que ficarem cegos para “estabelecer a paz” com eles fica mais forte a convicção de que a impunidade reina.

Esta realidade reflecte uma outra que é a política de saúde levada a cabo pelos governos do PS desde o primeiro minuto que o primeiro governo PS/Sócrates tomou posse em 2005: dar rédea solta aos privados que, ao mesmo tempo que vão destruindo o SNS, vão dando cabo da saúde, e da carteira, dos portugueses. Os governos do Partido Socialista (“socialista” apenas nas palavras) têm permitido que os médicos, as companhias de seguros, os grupos económicos, isto é, tudo o que é privado e que entendeu investir (quer dizer explorar) no sector da saúde, o podem fazer, mesmo ilegalmente, porque têm os lucros garantidos. E a OM limita-se a vigiar que a actividade lucrativa dos médicos não sofra qualquer percalço, fazendo vista grossa sobre os possíveis crimes cometidos pelos seus associados, independentemente de serem portugueses ou estrangeiros. Quem fica, no final, com a batata quente nas mãos é o estado, ou seja, os serviços de saúde públicos que irão arcar com os custos de remediar a asneira feita pela medicina privada.

Assim também se percebe que não haja dinheiro para os enfermeiros e o seu relativo “fraco poder” negocial!

PS: O Estado deve perto de mil milhões de euros às farmácias, no entanto, quanto desse gasto seria escusado se não imperasse este modelo bio-médico? Ou o Estado controlasse melhor os gastos impondo os genéricos e a prescrição pela designação internacional do medicamento? Ou houvesse farmácias públicas nos hospitais do SNS que fornecessem os medicamentos a preços controlados ou até gratuitos (fica mais barato do que comparticipar)? Ou o governo PS não estivesse nas mãos dos laboratórios farmacêuticos como acontece com a medicina privada?

sábado, 7 de agosto de 2010

As linhas com que se cose o Ministério da Saúde


O chefe do serviço de Neurologia do Hospital de São José foi condenado a uma pena de suspensão de 242 dias por ter recebido centenas de horas extraordinárias a mais, durante vários anos, algumas em dias em que estava de férias.

A investigação da IGAS (Inspecção-Geral das Actividades em Saúde), que levou à condenação, partiu de uma denúncia anónima (parece que ninguém com responsabilidades e conhecedor da situação teve a coragem de o fazer), tendo-se então apurado que o médico Joaquim Machado Cândido efectuou também viagens pessoais por conta de verbas do Serviço de Neurologia e promoveu jantares com os seus subordinados (todos comeram) numa quinta de turismo rural pertencente a uma empresa da qual é sócio.

Agora, e após recurso, o Ministério decidiu suspender a pena por dois anos, e por razões que não são invocadas pelo arguido, ou seja, o chefe do serviço de Neurologia do Hospital de São José acaba por não ser castigado e, durante todo este tempo, esteve sempre em funções. Ou seja, na prática, acaba por não ser castigado. Mais ainda, o dito está decidido a pedir uma indemnização à IGAS e ao Ministério da Saúde para limpar o seu bom nome.

A Ordem dos Médicos, questionada pela imprensa (DN) não se pronunciou, ficando-se a saber que, como ex-dirigente na Ordem, o médico em causa não pode ser investigado pelos conselhos regionais. No entanto, a mesma Ordem foi lesta em abrir um inquérito e um processo disciplinar ao oftalmologista que operou numa clínica no Algarve quatro doentes que se encontram internados com risco de cegueira.

Deve-se esclarecer que o oftalmologista é holandês e a clínica onde operava está em situação de ilegalidade, e se agora está encerrada é porque está em obras, ninguém no Ministério da Saúde (MS) sabia da ilegalidade. Para se dizer que a gente que habita para os lados da João Crisóstomo precisa rapidamente de ir ao oftalmologista!

Pela imprensa ficamos sem saber se o referido clínico ressarciu o Estado, devolvendo o dinheiro que recebera indevidamente. No entanto, ficamos um pouco mais esclarecidos quanto às causas do défice orçamental, nomeadamente no que concerne à Saúde.

E se em vez do digníssimo chefe do serviço de Neurologia do Hospital de São José fosse um enfermeiro, já não estaria suspenso ou expulso da Função Pública?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O "Allgarve" e o Algarve


por Manuel António Pina no JN

O presidente da Câmara de Loulé está preocupadíssimo com o que se passa nos hospitais do 'Allgarve' (ou 'All-Garve' ou lá como se chama a coisa): "Como é possível aceitar que um turista alojado num hotel de 500 euros por noite vá para o corredor de um hospital ou de uma enfermaria?". É, de facto, inaceitável. Tão inaceitável que surpreende que turistas que pagam "500 euros por noite" não possam pagar para serem assistidos em alguma das seis unidades hospitalares privadas da região (quatro com atendimento permanente) e vão parar a hospitais públicos "tendencialmente gratuitos". Se o camarário de Loulé se preocupasse mais com o Algarve e menos com o 'Allgarve' talvez o incomodasse o "drama diário" (a expressão é de outro presidente de Câmara, o de Alcoutim) daqueles que, louletanos e algarvios em geral, não ganham num mês o que os tais turistas gastam numa noite de hotel e que não só vão para macas nos corredores como, depois de terem tido alta, muitas vezes ali ficam ao abandono porque "as famílias não têm condições para os acolher e os lares e as unidades de cuidados continuados estão cheios".