sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A privatização da saúde e as greves no sector da saúde do estado


 Os médicos de todo o país fizeram greve há dois dias, uma greve que paralizou blocos operatórios, atrasou cirurgias e consultas; uma paralisação nacional que se seguiu a greves regionais nas últimas semanas. Houve uma forte adesão. As razões: um ano de "reuniões infrutíferas no Ministério da Saúde" e a solução sempre adiada para a redução das listas de utentes por médicos de família e uma redução de 18 para 12 horas semanais no serviço de urgência, uma reformulação dos incentivos à fixação em zonas carenciadas, uma revisão da carreira médica e respetivas grelhas salariais e a diminuição da idade da reforma.

Os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, no oitavo de dia de greve, fizeram manifestações no Porto, Coimbra e Lisboa. E dizem, entre outras coisas: "

Agora percebemos a razão porque durante 18 anos as nossas carreiras se arrastaram nos corredores do poder político, enquanto destruíam o nosso futuro.
Agora sabemos porque não existem políticas de recursos humanos dos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, colocando-nos no limite da exclusão profissional e laboral.
Agora, todos, sabemos que o poder político deu a mão "aos donos disto tudo", pretendendo prolongar indefinidamente a situação miserável em que estamos, com doutorados no sector público pagos a 1000 euros mês e todo um sector privado com salários de miséria.
Agora, todos, sabemos que o Serviço Nacional de Saúde está prisioneiro dos interesses privados que representam cerca de 80% dos custos do SNS em diagnóstico e terapêutica. Agora, todos, sabemos porque não existe investimento público nas nossas carreiras. (Do Manifesto )

Os enfermeiros (CNESE - SEP e SERAM) cancelaram a greve agendada para os dias 3,4 e 5 de Outubro, como tínhamos previsto, a suspenderam a outra greve prevista a ser realizada a partir de 16 de Outubro (SE e SIE) a troco de pouca coisa: 150 euros para os enfermeiros especialistas (reivindicava-se 412 euros, inicialmente eram 600 euros!), enquanto a carreira não é revista; revisão da dita não se sabe bem quando (2018 e 2019!? e como!?); reposição dos valores das horas de qualidade de forma faseada (foi-nos retirado logo de uma vez só); 35 horas e ACT para os enfermeiros com CIT (não acabar com os CIT, porque são em si a negação da própria carreira). Reposições incertas e devolvidas em "suaves prestações"... porque "não há dinheiro". E o pouco devolvido será a troco de quê?

As carreiras dos trabalhadores da administração pública vão ser descongeladas de forma faseada, sempre com a alegação da exiguidade dos recursos, são os enfermeiros, são os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, e são os médicos, classe ainda considerada privilegiada mas cada vez mais proletarizada, e são os professores, a classe mais numerosa e mais atacada. São 600 milhões (diz o governo) por ano para descongelar carreira docente com pagamento integral dos novos escalões, "custaria" tanto quanto o que o Estado prevê gastar em toda a Função Pública nos dois anos previstos (não esquecer que 2019 é ano de eleições legislativas). Devolver aos trabalhadores do estado, e sem retroactivos de mais de 10 anos, o que lhes foi roubado é considerado um "custo" para as contas públicas. Contudo, o mesmo não é considerado para os 400 milhões de euros gastos em aluguer de meios aéreos a privados para o combate aos incêndios nos últimos anos, mais as indemnizações pelos prejuízos deste ano pelo facto do combate aos incêndios ter sido entregue a privados, ou os 1100 milhões de euros a mais para além dos 400 milhões (segundo o Eurostat) que irão ser entregues todos os anos aos bancos para as PPPs rodoviárias (neste sector, serão 19 mil milhões de euros para pagar um património construído que vale 6,1 milhões de euros!), já para não falar na despesa e juros com a dívida pública (mais de 8 mil milhões de euros por ano).

E o pouco devolvido será a troco de outras imposições, que os sindicatos não ousam denunciar pela simples razão de que estão disposto a tudo aceitar. As 35 horas, por exemplo, irão ser restabelecidas mas a troco do aumento da jornada de trabalho para as 10 horas. É o que a administração do CHUC pretende pôr em prática a partir do início de 2018, havendo serviços já com o novo horário em regime de experimentação. São 10 horas no turno da noite, 8h30 no turno da tarde e 7 horas no turno da manhã, fazendo com que os enfermeiros e os assistentes operacionais (são os dois grupos profissionais a serem sujeitos a este novo horário) neste último turno sejam obrigados a permanecer no serviço cinco dias exactos por semana. No fundo, será fazer o mesmo com menos e, mais do que poupar dinheiro, será uma experiência quanto ao que os trabalhadores estão dispostos a ceder em futuro próximo; então sim, será o aumento geral da jornada de trabalho e por menos dinheiro, contrariando todas as conquistas feitas até agora pelos trabalhadores, 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso, uma conquista com mais de 100 anos, e as recomendações da própria OMS. Perante mais um ataque contra os trabalhadores, os sindicatos estão impávidos e serenos, o SEP, por exemplo, ficou por uma seráfica recomendação dirigida à direcção de enfermagem, quem na realidade comanda este ataque. Parece uma situação semelhante ao que que está acontecer no sector privado, onde a multinacional norte-americana Delphi, instalada há muitos anos em Portugal, está a tentar impor jornadas de 12 horas com o sindicato do sector SIESI, filiado na CGTP, a aconselhar o recurso aos tribunais, em vez de apelar à luta e organizar os trabalhadores contra mais uma medida celerada imposta pelo patronato!

Os trabalhadores do sector da saúde do estado só podem contar consigo próprios e com a sua luta para fazer vergar o governo e verem os seus problemas resolvidos. Enfermeiros, técnicos de diagnóstico, médicos, assistentes operacionais, administrativos e outros terão de se juntar numa luta só e não andar cada grupo profissional a puxar para o seu lado. Uma luta que deverá ser por tempo indeterminado e não respeitando muitas da vezes os ditos "serviços mínimos", que em certos setores são serviços máximos, não se fazendo notar a greve e com a vantagem de ficar mais barato ao patrão-estado. E mais ainda, uma greve que deverá ser de todos os trabalhadores da função pública. Contra um governo que se distingue do anterior mais na forma (e no discurso) do que no conteúdo.

Como se poderá confiar num governo que:

1- Mantem subfinanciado o SNS, menos mil milhões de euros, continuando Portugal a atribuir à Saúde a menor percentagem do PIB dos países da UE e abaixo da média da OCDE;

2- Dos cerca 9 mil milhões de euros gastos no SNS, a maior parte continua a ser gasta em cuidados curativos (os melhores para o negócio dos privados), com os hospitais a representar 57% da despesa, sendo insignificante a verba destinada à promoção da saúde e prevenção da doença, somente 105 milhões de euros, cerca de 1%;

3- Continua a recorrer aos privados e às PPP's, por exemplo, em 2015, a despesa com entidades convencionadas foi de cerca de 383 milhões de euros com meios complementares de diagnóstico e terapêutica e de cerca de 253 milhões com a diálise; e com as Parcerias Público-Privadas (PPP), em 2016, os encargos do sector público ascenderam a 442 milhões de euros, uma derrapagem de 4 por cento acima do valor previsto no Orçamento do Estado desse ano;

4- Acaba de anunciar a abertura de concurso internacional para gestão privada, para a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação e manutenção do Hospital de Lisboa Oriental, a concluir até 2022, no montante de 415 milhões de euros - no dizer do ministro, o maior projecto na saúde nos último 30 anos!;

5- Não incluiu, tendo deixado esgotar o prazo de 30 dias para o fazer, o assédio no trabalho, a depressão, o esgotamento e o burnout na lista de doenças profissionais, o que impede, tal como prevê a nova lei do assédio no trabalho, que os custos relacionados com essas doenças sejam imputados às empresas;

6- Absteve-se se na votação quanto à decisão sobre a renovação da licença para a utilização de glifosato (produzido pela multinacional alemã/norte-americana Monsanto/Bayer), que foi adiada pela Comissão Europeia para o final do mês (teve 14 votos a favor, nove votos contra e cinco abstenções)?

Claro que não se pode confiar!

Um governo que, apesar do apoio parlamentar do BE e do PCP, não merece o apoio dos trabalhadores da administração pública e dos trabalhadores em geral, porque nem sequer repõe o que foi extorquido aos trabalhadores a pretexto da crise e da intervenção da troika. Um governo que não irá chegar ao fim do mandato.

Os trabalhadores do sector da saúde do estado e da administração pública devem unir a sua luta num único caudal.
Pelos nossos direitos e pela recuperação do SNS, porque o que está em causa é o direito do povo português a um sistema de saúde de qualidade, universal e gratuito.

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